A PROPÓSITO DA “REESTRUTURAÇÃO DO INCRA”

Leonam Bueno Pereira[1]

     O início de um novo governo, em geral, vem recheado de propostas e inovações que desagradam uns e agradam outros. O início do atual governo da Presidenta Dilma, no caso da Reforma Agrária, não está sendo diferente.

     Há duas ou três semanas atrás os jornais tradicionais, especialmente de São Paulo, vêm trazendo matérias em que se destaca a gestação de uma reorganização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, tendo em vista, por exemplo, a excessiva autonomia que os Superintendentes Regionais (representantes do órgão nos Estados) têm em relação à sede em Brasília.

     Em recente entrevista na página do MST (link para a entrevista), o Sr. José Vaz Parente, diretor da Cnasi, Confederação Nacional dos Servidores do Incra, manifestou sua preocupação e também daquela entidade no que estão chamando de “reestruturação do Incra” a ser promovida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Segundo sua manifestação, essa reestruturação “representaria a extinção do INCRA”.

     O INCRA é uma autarquia federal criada para realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas rurais da União. Sua competência assenta-se sobre um dos principais meios de produção social do país: a Terra. Dessa forma, sob sua gestão, encontram-se as políticas voltadas ao desenvolvimento dos assentamentos existentes, a inclusão de novos atores sociais no processo produtivo, a gestão da malha fundiária organizando a base cadastral para a regularização, arrecadação e tributação dos imóveis rurais no país.

     Assim, o INCRA é importante para o desenvolvimento porque é o órgão que detêm o conhecimento e os instrumentos para atuar sobre a malha fundiária, de tal forma a avaliar o cumprimento da função social da propriedade rural e a utilização das terras públicas, bem como, a gestão de como é utilizado o território do país, auxiliando na tributação da propriedade fundiária e no cumprimento dos deveres da propriedade rural. É importante porque detêm os instrumentos de implantação e desenvolvimento dos projetos de assentamento, contribuindo de forma fundamental para a inserção produtiva de novos agricultores familiares. Além disso, é o órgão com capacidade de articular parcerias com outros órgãos governamentais.

     Nesse sentido, com ele a Reforma Agrária se configura como uma política pública de desenvolvimento com justiça social, erradicando a miséria e a pobreza do país. A implementação dessa política pública fundamental é a oportunidade de se trabalhar as políticas sociais ao mesmo tempo em que se trabalha as políticas produtivas de inclusão econômica. A Reforma Agrária contribui para a aceleração do crescimento na medida em que propicia, tanto nos projetos de assentamento, como nas economias regionais do seu entorno, o aumento da produtividade do trabalho e melhor qualificação das políticas sociais a serem implementadas. É um salto de qualidade que vêm de uma maior agilidade, planejamento e articulação de planos, programas e projetos. Na Reforma Agrária, se age na base social do país, organizando-a e capacitando-a para o aproveitamento das oportunidades abertas pelo, por exemplo, o PAC. Exatamente por isso, para alguns, a existência de um órgão de Reforma Agrária é um problema.


[1] Economista e Mestre em Economia Agrícola e Agrária pelo IE – UNICAMP.

FOME, DESPREZO E HIPOCRISIA


Leonam Bueno Pereira[1]

Recentemente, o jornal Valor publicou matéria com o Sr. Jacques Diouf, Diretor Geral da FAO (Organização para Agricultura e Alimentação) órgão da Organização das Nações Unidas –ONU (Valor de 15/03/11 pág. B13). Chamava a atenção o dirigente da organização sobre o recrudescimento da fome no mundo, especialmente a partir da crise financeira de 2008.

O professor Luiz Gonzaga Beluzzo em recente artigo para o site Carta Maior (www.cartamaior.com.br, 11/03/11), intitulado a “Financeirização da Fome”, chamou a atenção sobre o papel que capitais extremamente voláteis e especulativos jogam no mercado, migrando de ativos para outros conforme a sua perspectiva de ganho e assim, transformam também o mercado de commodities agrícolas, especialmente grãos, em ativos de especulação financeira.

A Academia de Cinema de Hollywood na recente premiação dos melhores filmes do ano houve por bem premiar o documentário “Trabalho Interno” (inside job) que trata, com frieza, de como algumas autoridades, professores universitários e executivos de finanças trataram e ainda tratam fatos e eventos graves que desembocaram na crise financeira de 2008, inclusive comprometendo os empregos e as moradias de milhares de norte americanos.

Essas três referências citadas acima, cada uma a sua maneira, são a ilustração clara e cristalina do título deste artigo. Seu significado e sua explicação.

Pode-se enumerar uma série de razões, muitas delas de profunda importância, para explicar a revolta da população mulçumana dos países do Oriente Médio e do Norte da África (Tunísia, Egito, Iêmen etc.), países estes comprometidos com a “pax americana”. No entanto, é necessário separar algumas conveniências explicativas dos analistas, principalmente da imprensa, das delicadas e complexas estruturas sociais e suas relações políticas ali existentes. Por exemplo: quase ninguém na imprensa tradicional brasileira se deu ao trabalho de informar a população de que esses países surgiram de composições políticas tribais em que o monopólio da violência está nas mãos de uma nobreza e que, o Estado, enquanto um agente social, político e econômico apartado dos interesses individuais, ali praticamente não existe. Talvez a honrosa exceção seja o Egito, principalmente porque Nasser, depois da 2ª Guerra, tratou de consolidar um Estado Laico, capaz de exercer o monopólio da violência.

Descuram também esses analistas de que nesses países a distribuição de renda é concentrada e que a renda do petróleo é uma renda que não é apropriada pela nação, mas pela casta que detém o poder. Esquecem também de explicar que esses países não têm produção agropecuária que sustente sua população. Dessa forma, em algum momento, alguém poderá desvendar essa caixa preta dos países produtores de petróleo e colocar o exato significado da segurança alimentar no mesmo nível da soberania nacional. O Sr. Diouf chegou perto de apontar isso com suas palavras.

Agora vejam vocês! “Tudo que é sólido se desmancha no ar ...”. Os alimentos mesmo aqueles comercializados em bolsas, como os grãos em Chicago, tinham até recentemente, o comportamento de seus preços, mesmo erráticos e especulativos, ainda assim associados ao complexo produtivo e aos estoques reguladores existentes, em geral administrados pelo Estado. A desregulamentação dos mercados promovida pela onda neoliberal proporcionou transformar as mercadorias físicas, concretas, em fictícias. Transformaram os alimentos em ativos financeiros. Papéis garantidores de uma suposta safra. Recebíveis e Direitos de curto e médio prazo sobre estoques e cargas de grãos e alimentos passaram a ser, eles mesmos, a principal mercadoria a ser comercializada. Torná-la atraente ao mercado, pagando diferenciais de preços entre sua compra e sua venda, passou a ser o principal objetivo da comercialização desses ativos e não a demanda pela alimentação e o seu consumo. A tragédia disso tudo é essa elevação de preços dos ativos financeiros que representam os alimentos contaminarem o processo físico do mercado.

Ou seja, em uma das pontas desta história, onde se situam os produtores de alimentos, por incrível que pareça no Brasil globalizado, a produção de alimentos é de responsabilidade direta de 84% dos imóveis rurais sob controle de agricultores familiares (cerca de 4,1 milhões de produtores), surge a seguinte dúvida: quem vai pagar o custo mais alto? Ora, mesmo com a tecnologia aumentando a produção e reduzindo os custos de produção, será o consumidor (a outra ponta desta história) que pagará mais caro pelo alimento. Financeirizar os alimentos é desprezar a importância e o significado da alimentação para o ser humano. Foi assim com as hipotecas das moradias que lastrearam as sub-prime.

Às vezes, mesmo uma indústria extremamente comprometida com o status quo, se recente e se envergonha com os atos e falcatruas de seus pares. Premiar o “Trabalho Interno”, segundo alguns analistas foi reconhecer a maldade existente no país das maravilhas. Pode até ser verdade que a “academia” reconheceu os homens maus de Wall Street, mas com certeza, apenas expor a maldade em um filme não será capaz de abalar ou modificar a visceral perversidade e hipocrisia que reside no modus operandis dessa turma.


[1] Economista, mestre em economia agrícola e agrária pelo IE – Unicamp.

O combate à pobreza com cidadania e dignidade passa, sim, pela Reforma Agrária ou, Vigília de Carnaval pela Reforma Agrária!

Sônia Novaes Moraes

     Neste último mês de fevereiro, deparamo-nos com notícias preocupantes sobre uma possível idéia do atual governo, divulgada pelos meios de comunicação, sobre a extinção ou redução das competências do INCRA.
     Na verdade, entendemos essa possível medida não apenas como um ato de extinção de uma autarquia federal qualquer, ou, como ato para se ter um órgão a menos na máquina governamental. A gravidade deste plano é que a essa autarquia, responsável pela implantação da Reforma Agrária no país, tem sua criação e origem respaldada nos ditames da Constituição Federal Brasileira, (arts. 184 a 191 da Constituição de 1988), com base no princípio da função social da propriedade da terra, regulamentada por diversas Leis Agrárias vigentes, que determinam os procedimentos a serem tomados em relação aos “... direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais..” (Art. 1 do Estatuto da Terra de 1964).

     Mas, seu histórico de desprestígio mostra, de fato, a pouca importância que os governantes do país vêm imprimindo ao longo de mais de quatro décadas na execução da Reforma Agrária.
     O INCRA, (para quem é mais jovem na matéria) é fruto da junção de outros dois órgãos nacionais: do IBRA, (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária), e do INDA, (Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário). E vale relembrar que o IBRA, ao ser criado como órgão específico para execução da Reforma Agrária era subordinado diretamente à Presidência da República, com as justificativas do então legislador de que esta vinculação evidenciava e realçava a importância e urgência do problema agrário no país. Assim sendo, a responsabilidade pela eficiente execução do processo de Reforma Agrária era da própria Chefia da Nação.

     Sabemos de longa data, que o esvaziamento do Programa de Reforma Agrária no Brasil tem sido recorrente. Ora pela repressão aos movimentos sociais, ora pela ação das forças políticas conservadoras que se utilizam de todo tipo de mecanismo político e/ou legislativo para o retrocesso. Ora, ainda, pela lentidão do poder judiciário ou, ora, através da edição de medidas e de mecanismos administrativos e regulatórios – e ao que parece ser um deles, o plano da extinção do INCRA, e o Programa Agrário de democratização das terras no país, previsto em lei, está necessariamente imbricado ao órgão executor específico.
     Mas, na sociedade brasileira não é novidade essa postura de descaracterização paulatina da Reforma Agrária, pois, logo após a vigência do Estatuto da Terra, ou seja, em pouco espaço de tempo deixou de ser assunto da responsabilidade do Chefe da Nação.
     As disposições do Decreto-Lei 200, de 27 de fevereiro de 1967, interpuseram na hierarquia de subordinação do IBRA (hoje INCRA), o Ministério da Agricultura e, portanto, sujeitando-se o órgão antes às decisões do Ministro da Agricultura e não mais às do Presidente da República.
     A seguinte medida administrativa da contra-reforma agrária foi feita através do Decreto-Lei 1.110 de 1970 determinando a unificação dos órgãos IBRA e INDA em INCRA.
     Por esta junção, as verbas definidas para uma e outra autarquias passaram a priorizar e a financiar os projetos inclusos na Política Agrícola e, também, nos programas alternativos à Reforma Agrária, que foram as Colonizações Particulares e Oficiais ou em programas de Regularização Fundiária. Muitas mudanças foram feitas até hoje, quando o INCRA agora é uma autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário- MDA.

     A mudança para melhor, se houvesse decisão política verdadeiramente comprometida com a Reforma Agrária, seria que a autarquia INCRA voltasse às suas origens, e que tivesse a importância que outrora se apregoou, com a incumbência e a urgência de se resolver o problema agrário no país, e que assim prioritário como programa de combate à pobreza, pudesse estar diretamente sob a responsabilidade da Chefia da Nação.

     Porém, ao contrário, sua eventual extinção poderá representar a “pá de cal” para se lutar pela implementação da tão sonhada Reforma Agrária, que hoje tem o papel de assegurar a democratização das terras rurais, de impedir a desnacionalização do território nacional, de permitir um desenvolvimento sustentável que preserve nossos recursos naturais e de eliminar a pobreza com a garantia da dignidade, cidadania, e com a produção de alimentos para a mesa dos brasileiros.

Modo de produção – Assentamentos rurais

Raimundo Pires Silva

A redistribuição dos direitos sobre a propriedade, ou seja, a modificação do regime de posse, uso e gozo da terra, constitui a essência dos assentamentos de reforma agrária. A modificação no uso da propriedade feita pelos assentamentos rurais necessita ser drástica, isto é, o modo de produção precisa apresentar características estruturais totalmente diferentes do que era antes.[...]

O combate à pobreza com cidadania e dignidade passa, sim, pela Reforma Agrária ou, Vigília de Carnaval pela Reforma Agrária!

Neste último mês de fevereiro, deparamo-nos com notícias preocupantes sobre uma possível idéia do atual governo, divulgada pelos meios de comunicação, sobre a extinção ou redução das competências do INCRA. Na verdade, entendemos essa possível medida não apenas como um ato de extinção de uma autarquia federal qualquer, ou, como ato para se ter um órgão a menos na máquina governamental.. [...]

Conjuntura Agrícola

"A partir desta data, aqui no blog, iremos acompanhar mensalmente o comportamento do preço do leite nas principais zonas produtoras do estado de São Paulo. Pretendemos disponibilizar para todos, principalmente, para os pequenos produtores familiares, um conjunto de informações para auxiliar no planejamento e análise da conjuntura agrícola e agrária."
[José Juliano de Carvalho Filho; Lançamento do Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; Câmara Municipal de São Paulo 07/12/2010].

ESTADO, SOBERANIA E O DESEVOLVIMENTO

Raimundo Pires Silva

Este arrazoado busca contribuir para a compreensão do Estado nacional[1] contemporâneo e sua soberania – de seu passado, de seu presente e de seu futuro. É uma análise enxuta e genérica que aborda a herança recebida pelo governo Lula, as transformações realizadas por este e as propostas para sua consolidação.

Os assentamentos – comunidade em construção

Raimundo Pires Silva

Os assentamentos rurais trazem no seu horizonte algumas alternativas econômicas e sociais para uma parte significativa dessa população de trabalhadores brasileiros, que se encontra marginalizada e excluída do processo de produção vigente e que configuram a atual questão agrária brasileira.

Questão Agrária

Vários pensadores brasileiros e estrangeiros se debruçaram em analisar a Questão Agrária. Entre os brasileiros, Ignácio Rangel foi um dos que construiu uma razoável definição do problema. Para ele a questão agrária diz respeito às transformações nas relações de produção no campo. Ou seja, de como se produz e a forma dessa produção.
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REFORMA AGRÁRIA EM DEBATE